objetos com história
- escultura e mobiliário -
Trilogia Fernando Pessoa, de Sarah Ferreira
Museu do Pão, Seia
Quantas pessoas cabem em Pessoa?
Por muito que se estude o mais universal dos nossos poetas, nunca saberemos verdadeiramente quantas pessoas nele viveram. Foram muitas, é o que temos de mais certo. Fernando Pessoa desdobrou-se em mais de uma centena de pseudónimos e alter-egos com ocupações tão distintas quanto um tradutor, um escritor, um ensaísta, um filósofo, um médico, um astrólogo ou até um frade, cada um deles com uma visão ideológica própria e distinta.
Apesar de se ter fragmentado em muitas personalidades literárias pautadas pela ficção que viriam a enriquecer o seu legado literário, a heteronímia é o grande marco da sua obra. Dotados de biografia, o poeta justificava os seus três heterónimos como “um traço de histeria que existe em mim. (…) A origem mental dos meus heterónimos está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação”. Assim era. Alberto Caeiro, que tinha apenas a instrução primária, vivia com uma tia no campo, depois de ter ficado órfão. Escrevia uma poesia simples, mas que se norteava por uma intensa complexidade filosófica, acreditando que a racionalidade da ciência punha em causa a naturalidade humana. Já Ricardo Reis, educado num colégio de jesuítas, formou-se em medicina e era um profundo defensor da monarquia, apreciador da cultura clássica e com um especial apreço pela vida do campo, defendendo que a sabedoria residia no equilíbrio e nos prazeres naturais. Álvaro de Campos, por seu lado, engenheiro naval formado na Escócia, era um futurista amargurado pelos avanços da tecnologia, voltando repetidas vezes ao saudosismo dos tempos de infância na sua poesia, onde se sentia feliz.
Esta escultura romanceada da autoria de Sarah Ferreira revela a interpretação dos 3 heterónimos de Fernando Pessoa por parte desta jovem artista que nasceu em Paris em 1989, e que cultiva uma visão artística influenciada pela cultura e pelos artistas da cidade onde cresceu. E esta é a sua leitura sobre a singularidade de Fernando Pessoa, visível não apenas na sua poesia, mas na representação dos três heterónimos a quem o poeta atribuiu vida, identidade e obra próprias, inventando-se e reinventando-se como uma necessidade visceral, uma inevitabilidade da sua existência que lhe servia o génio inesgotável.