O Museu do Trabalho Michael Giacometti, em Setúbal, situa-se nas instalações da antiga Fábrica de Conservas Perienes, que laborou entre 1919 e 1971. Aberto ao público em 1995, o museu é hoje um espaço de arqueologia industrial que preserva a traça original e muitos instrumentos de produção de conservas, como as mesas de azeitar ou a chaminé. A cidade foi fortemente marcada pela indústria conserveira desde 1885 para encerrar, tendo encerrado a sua última fábrica um século depois.

Com tanta História, o Museu do Trabalho foi um dos 5 espaços eleitos pela Galeria Ratton para a sua exposição “Reflexos da Galeria Ratton 1987 > 2018”, que haveria de receber, em 2018, três painéis de Sara Maia cujo trabalho azulejar estabelece um diálogo com o próprio acervo museológico. Sobre as longas mesas de pedra para a preparação do peixe exibiram-se pessoas e animais numa narrativa poética pincelada sobre a arte da azulejaria, reconstituindo episódios vividos na fábrica que os acolheu e pondo a nu o talento e o traço expressivo, ágil e certeiro da autora. O motivo central em todos os painéis, a sardinha, surge como símbolo do trabalho e da riqueza. O primeiro painel retrata a vida das mulheres na fábrica a preparar o peixe, e fora dela, na sua relação com a família. No segundo painel, a predominância do azul evoca a pesca, a carga do trabalho da vida dura no mar. O último painel é um poema colorido, embora irónico numa inversão de papéis: são os peixes que dominam o cenário com figuras humanas que os veneram e que habitam, agora elas, em latas de conservas.

O conjunto de painéis de Sara Maia que a prestigiada Galeria Ratton produziu é uma metáfora alegórica que ora retrata a realidade, ora a ilusão. A cor domina em múltiplas imagens abrindo espaço à interpretação para no final concluir que nenhum painel funcionaria bem isoladamente. Realidade e fantasia: antónimos que gostamos sempre de usar em conjunto numa provocação que desafia a lógica, comprovando que, afinal, se complementam na perfeição.